Entrevistas | Inspiração
De Ibirubá para o Mundo: A Trajetória Inspiradora de Lucas Tirloni na Ciência Internacional
Editora da Revista Viral Apresentadora do Programa Em Foco na Rádio CBS FM e integrante da equipe de jornalismo da Rádio. Assessora de comunicação da Coopeagri Produtora de Conteúdo Digital

Nascido e criado em Ibirubá, Rio Grande do Sul, Lucas Tirloni, filho de Lourdes Krammes Tirloni e Sadi Tirloni, sempre teve uma paixão pela ciência que o impulsionou a trilhar um caminho notável no campo da biologia celular e molecular. Após obter a graduação em Biomedicina pela Universidade de Cruz Alta (2010), ele realizou mestrado (2012) e doutorado (2015) em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Lucas seguiu em uma trajetória de excelência acadêmica, realizando treinamentos de pós-doutorado na UFRGS, na Texas A&M University (Texas, Estados Unidos), e no prestigiado National Institute of Allergy and Infectious Diseases – NIAID (Maryland, Estados Unidos), onde, em 2020, tornou-se pesquisador independente no Laboratório de Bacteriologia (Montana, Estados Unidos). Sua história é um exemplo inspirador de perseverança e dedicação, mostrando que, com determinação, é possível alcançar sonhos em escala global. Hoje, vivendo em Hamilton, Montana, Lucas compartilha sua experiência de vida e carreira, incentivando jovens a acreditarem em seus sonhos e a explorarem o mundo das possibilidades.

VIRAL: Lucas, conte-nos um pouco sobre sua infância em Ibirubá. Onde você estudou em Ibirubá? Houve algum professor ou disciplina que despertou seu interesse pela ciência desde cedo?

Lucas: Estudei da pré-escola até a sétima série na Escola Santa Teresinha. Depois, completei a oitava série e o ensino médio no Colégio Sinodal. Sempre gostei do ambiente escolar e tinha grande interesse na disciplina de ciências biológicas. Lembro com muito carinho de vários professores ao longo da minha vida escolar, como a professora Lori Binsfeld, a professora Enir Rodrigues, a professora Silvana Thomaz, a professora Sirlei Heller, e o professor Telmo Hartmann, para citar alguns.

VIRAL: Quais são as lembranças mais marcantes da sua vida em Ibirubá? Você sempre sonhou em seguir uma carreira científica?

Lucas: Tenho muitas lembranças boas da minha infância e juventude em Ibirubá. Lembro dos tempos que passávamos na rua Porto Alegre (que era basicamente o fim da cidade) e na piscina do meu avô materno, no bairro Floresta. Mais tarde, veio a época do Colibri, da piscina, das tardes nas quadras de tênis com a professora Ula e amigos, de travessar a cidade para as aulas de natação com o professor Ivan Fredrich, e dos jogos de vôlei com a professora Sirlei. Eu passava boa parte do tempo nessas atividades, na rua e em casa com os amigos da escola. Mantenho contato e amizade com alguns deles até hoje.

Em casa, sempre tivemos a ideia de que a educação era transformadora, e fazer um curso superior sempre esteve em nosso horizonte, desde cedo. Fomos privilegiados por poder estudar. Sempre me inclinei para profissões na área da saúde, mas descobri minha vocação para a ciência mais para o final da graduação.

VIRAL: Você obteve seu doutorado em biologia celular e molecular pela UFRGS. O que te levou a escolher essa área específica de estudo?

Lucas: Eu graduei em Biomedicina com habilitação para trabalhar em análises clínicas e biologia molecular. Em 2009, me mudei para Porto Alegre para realizar os estágios curriculares de final de curso. Desde cedo, notei que a rotina do laboratório clínico não era o meu perfil, pois sempre fui inquieto e curioso. Minha irmã, Bárbara, seguiu carreira acadêmica, fazendo mestrado e doutorado em química inorgânica, e isso, de certa forma, me incentivou a buscar a pós-graduação. Por vivências pessoais, sempre tive interesse na coagulação sanguínea, o que me levou a atuar como monitor nas disciplinas de Hematologia Geral e Hematologia Clínica durante a graduação. Para o mestrado, procurei um pesquisador que trabalhasse nessa linha e me desse a oportunidade de ingressar em seu laboratório. Foi então que comecei a trabalhar em um laboratório que estudava saliva de carrapatos! Sim, parece curioso, mas a saliva de carrapatos contém diversos anticoagulantes que são estudados por muitos grupos de pesquisa pelo mundo. A saliva dos carrapatos é um coquetel de moléculas que eles injetam em seus hospedeiros para inibir a dor, prevenir a coagulação do sangue e suprimir o sistema imunológico — tudo para que possam se alimentar sem serem detectados por dias e dias. Fiz um ano de iniciação científica nesse laboratório antes de ingressar no mestrado e depois seguir no doutorado.

VIRAL: Como foi se adaptar às diferenças culturais e sociais entre o Brasil e os Estados Unidos? Houve algum aspecto cultural que te surpreendeu ou que exigiu uma mudança significativa na sua forma de viver ou trabalhar?

Lucas: O ambiente da pós-graduação nas grandes universidades no Brasil é muito diverso, e desde cedo somos expostos a diferentes culturas. A ciência é um meio altamente internacionalizado, proporcionando contato com várias culturas. No laboratório onde fiz meu mestrado e doutorado, por exemplo, tínhamos colegas do Paquistão, Uruguai, Colômbia, Uganda, além de colaboradores do Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul, dentre outras nacionalidades. Isso, de certa forma, ajuda a te inserir e compreender as demais culturas. Minha vinda aos Estados Unidos por um ano durante o doutorado, entre 2013 e 2014, foi uma experiência muito gratificante. Crescemos no Brasil influenciados pela cultura americana, principalmente pelos filmes de Hollywood, confesso que nos primeiros meses no Texas, vivendo em uma cidade universitária, eu me sentia como em um filme do estilo ‘American Pie’. Foi uma experiência incrível, onde também pude conhecer outras culturas. As cidades universitárias aqui são extremamente diversas, com praticamente todas as nacionalidades representadas. No ônibus para a universidade, era comum ouvir diferentes sotaques e idiomas. Essa experiência foi extremamente enriquecedora, ensinando que existem várias formas de ver, existir e experienciar o mundo.

O mais desafiador nesse primeiro ano fora foi viver uma experiência internacional em família, pois minha esposa e nossa filha de 9 meses vieram comigo. O desafio foi sobreviver com a bolsa que eu recebia (risos).

VIRAL: Atualmente, você trabalha como investigador no Laboratório de Bacteriologia do NIAID. Pode nos contar mais sobre o seu trabalho e os projetos em que está envolvido?

Lucas: Então, eu continuo trabalhando com carrapatos! No Brasil, os carrapatos têm uma importância significativa para a pecuária, causando prejuízos anuais de aproximadamente 2 bilhões de dólares. Durante meu tempo de trabalho com carrapatos no Brasil, meu foco foi o carrapato do boi. Um dos projetos do meu doutorado resultou na submissão de uma patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Atualmente, meu ex-orientador e agora colaborador está desenvolvendo um projeto com uma empresa para desenvolver uma vacina contra o carrapato do boi.

Já aqui nos Estados Unidos, os carrapatos têm uma importância maior na saúde pública, pois são transmissores de doenças para humanos, e essas doenças são bastante prevalentes. No meu laboratório, estudamos como a saliva dos carrapatos auxilia na alimentação desses parasitas e qual é o seu impacto na transmissão de patógenos. Os projetos realizados no meu laboratório envolvem a aplicação de tecnologia de ponta para análises transcriptômicas, proteômicas e sequenciamento do genoma de diferentes espécies de carrapatos, infectados ou não com diversos patógenos. Também estudamos como a saliva desses parasitas modula a cicatrização da pele. O objetivo principal dos nossos estudos é o desenvolvimento de alguma estratégia para o bloqueio da transmissão de patógenos.

VIRAL: Como você vê o futuro da ciência no Brasil e qual é o papel dos jovens na construção desse futuro? Você pensa em voltar?

Lucas: Vejo a ciência, tanto no Brasil quanto no mundo, com certo otimismo, mas também com uma dose de preocupação. Preocupa-me que, apesar de estarmos no século 21, ainda precisamos gastar tempo provando para determinados grupos que a Terra é de fato redonda e que vacinas salvam vidas, contribuindo significativamente para a longevidade que os seres humanos alcançam hoje.

O futuro da ciência no Brasil é promissor, mas enfrenta desafios significativos. O país possui um potencial enorme, com uma imensa biodiversidade e um histórico de contribuições importantes para a pesquisa científica global. No entanto, para que esse potencial seja plenamente realizado, é necessário enfrentar questões como financiamento, infraestrutura e políticas públicas de apoio à pesquisa. Os jovens têm um papel crucial na construção desse futuro. Eles trazem novas ideias, perspectivas e energias para a ciência. O futuro da ciência no Brasil depende, em grande parte, do envolvimento ativo da sociedade e do comprometimento dos governantes em tratar o investimento em ciência e tecnologia como um projeto de nação.

Embora seja sempre difícil falar sobre o futuro, a curto e médio prazo, não tenho planos de voltar ao Brasil. Tive a oportunidade de retornar em 2020 quando fui convidado para assumir uma vaga de professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas isso aconteceu logo após minha mudança para Montana, e acabei abrindo mão da vaga..

Embora seja sempre difícil falar sobre o futuro, a curto e médio prazo, não tenho planos de voltar ao Brasil. Tive a oportunidade de retornar em 2020 quando fui convidado para assumir uma vaga de professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas isso aconteceu logo após minha mudança para Montana, e acabei abrindo mão da vaga.

 VIRAL:  Do que mais você sente falta no Brasil? E qual foi a principal dificuldade de morar em um pais estranho?

Lucas – Sentimos bastante falta do convívio familiar e dos amigos, além de uma rede de apoio. Hoje em dia, é fácil encontrar produtos brasileiros na internet, e até mesmo enviar itens por correio. A tecnologia facilitou a comunicação. Já fazem mais de 8 anos que moramos fora do Brasil. Viemos para cá como família; minha esposa e minha filha Maria Antônia me acompanharam desde a primeira jornada em 2013. Desde 2016, quando nos mudamos sem perspectiva de retorno, muita coisa aconteceu. A Maria Antônia já viveu mais tempo aqui do que no Brasil e foi alfabetizada aqui. Em casa, falamos apenas português, e embora ela ainda tenha referências do Brasil, está começando a perder um pouco do vocabulário. A Olivia, minha filha mais nova, nasceu aqui. Tudo que vivemos aqui acabou nos fortalecendo como família e facilitou muito a adaptação. Acredito que as coisas teriam sido muito mais difíceis se eu tivesse vindo sozinho. Estamos em uma fase estranha; não nos sentimos completamente pertencentes a este lugar, mas também sentimos o mesmo quando estamos no Brasil. Esse sentimento é compartilhado por outras pessoas que moram fora.

VIRAL:  Que conselho você daria para jovens que desejam seguir uma carreira científica, especialmente aqueles que vêm de cidades pequenas como Ibirubá?

Lucas –  Eu sugiro que sempre busquem as oportunidades que surgirem na vida. Não fiquem presos a ideias pequenas; pensem grande. O mundo é maior que o nosso quarto e devemos enxergar isso como uma chance de crescimento e exploração. Fico feliz em ver que, hoje em dia, os jovens de Ibirubá contam com o Instituto Federal. Na minha época, quem desejava fazer uma escola técnica precisava se mudar para Panambi e estudar no Colégio Evangélico Panambi. Mais tarde, o antigo Colégio Agrícola abriu cursos técnicos na Escola Técnica Alto Jacuí para alunos do ensino médio da região. Mais recentemente, a escola foi federalizada e transformada no IFRS, oferecendo aos jovens a opção de estudar em uma escola técnica, com professores na maioria mestres e doutores, sem custos. Também são disponibilizados cursos de graduação. É claro que Ibirubá tem um foco muito grande na área agrícola e no polo metal-mecânico, então quem deseja seguir outras áreas pode precisar se mudar. Outra vantagem da tecnologia é que, hoje em dia, a internet permite que se estude e se prepare para vestibulares de casa, e quase sem custo. No passado, para quem podia pagar, o mais comum era mudar para Santa Maria ou Porto Alegre para fazer cursinho. O ensino superior expandiu muito nos últimos anos, e as possibilidades são muito melhores. As oportunidades estão aí, que façam proveito delas.

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