O problema da adulteração de bebidas no Brasil deixou de ser pontual para se tornar crônico. Segundo Jorge Pontes, em coluna da VEJA, há quase uma década o setor se transformou em um “território cinzento”, marcado por falhas regulatórias, fiscalização precária e pela ação de organizações criminosas.
O alerta mais recente veio com os casos de intoxicação por metanol em bebidas destiladas, que já resultaram em mortes confirmadas. Em São Paulo, ao menos seis pessoas morreram após consumir bebidas adulteradas, e outras 22 foram contaminadas. Além disso, entre agosto e outubro de 2025, foram registradas 43 notificações de intoxicação por metanol, com sete mortes suspeitas — cinco em São Paulo e duas em Pernambuco. A Bahia também já enfrentou surtos graves: em 1999, mais de 60 pessoas morreram em diferentes cidades do estado.
O metanol é um solvente industrial, usado em produtos como anticongelantes e limpadores de para-brisa, altamente tóxico e proibido para consumo humano. Sua presença em destilados como gim, uísque e vodca se explica pelo ganho financeiro que criminosos obtêm ao usá-lo no lugar do etanol — reduzindo custos de produção de forma ilegal e perigosa.
As investigações apontam ainda para a possível atuação de facções criminosas, como o PCC, no esquema de falsificação e distribuição. A ausência de controle estatal contribui para o avanço do problema: em 2016, foi encerrado o SICOBE (Sistema de Controle de Bebidas), operado pela Casa da Moeda, que permitia rastrear a produção. Desde então, o setor passou a depender de autorregulação industrial, abrindo espaço para sonegação, falsificação, contrabando e até lavagem de dinheiro.
Para especialistas, o episódio reforça a urgência de políticas públicas que unam segurança, saúde e combate ao crime organizado, retomando mecanismos de rastreamento e monitoramento da cadeia de bebidas. Sem fiscalização efetiva, a adulteração deixou de ser “incidente isolado” e se consolidou como uma ameaça sistêmica, colocando em risco a vida de milhares de consumidores.
